Mudanças climáticas desafiam previsibilidade, ampliam riscos e exigem inovação do setor seguros no Brasil

01/07/2025 O setor de seguros brasileiro atravessa um cenário desafiador diante do avanço acelerado das mudanças climáticas, que comprometem tanto a previsibilidade dos riscos quanto a sustentabilidade do próprio negócio. A intensificação de eventos extremos — como secas prolongadas, enchentes e tempestades — já impacta diretamente a economia, a sociedade e a operação das seguradoras, com tendência de agravamento caso não sejam adotadas medidas urgentes e estruturantes. No terceiro encontro do Ciclo de Diálogos Institucionais da Casa do Seguro na COP30, promovido pela CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras) em São Paulo, nesta quinta-feira (26), o físico da USP Paulo Artaxo, referência nacional em pesquisas sobre o clima, foi categórico: “o agronegócio, nosso carro-chefe, já sofre os efeitos de secas prolongadas e padrões anômalos de precipitação”. A afirmação foi dada para uma plateia composta por executivos de sustentabilidade das seguradoras empoderadoras da Casa do Seguro. Participaram também parceiros institucionais da CNseg, como a Fundação Getulio Vargas (FGV). A preocupação ecoa em dados recentes da Embrapa, que mostram o déficit hídrico avançando do Nordeste para o Centro-Oeste, ameaçando áreas produtivas e, por extensão, a segurança alimentar e econômica do país. A escalada das emissões de gases de efeito estufa, que já ultrapassam 57 bilhões de toneladas anuais, intensifica a crise. “Mudamos a composição da atmosfera. Essa é a essência da mudança climática global e os reflexos disso reverberarão em todas as esferas da nossa sociedade”, pontua Artaxo. O Fórum Econômico Mundial corrobora a gravidade do cenário: os 10 maiores riscos para a economia global na próxima década estão ligados ao clima e ao meio ambiente. O impacto sobre o setor de seguros é direto e crescente. Segundo o Swiss Re Institute, as perdas globais seguradas por catástrofes naturais alcançaram US$ 137 bilhões em 2024, com tendência de alta nos próximos anos. No Brasil, as enchentes do ano passado no Rio Grande do Sul, além de levarem 183 vidas, geraram prejuízos econômicos na ordem de R$ 100 bilhões, sendo que apenas 6% desse volume contavam com cobertura de seguros (foram R$ 6,4 bilhões pagos pelas seguradoras em indenizações no estado). Exemplos internacionais, como a inviabilidade do seguro residencial em regiões da Califórnia e Flórida, nos Estados Unidos, diante da escalada de furacões e incêndios, ilustram o risco sistêmico de colapso de mercados inteiros. A imprevisibilidade dos eventos climáticos desafia os alicerces atuariais das seguradoras. Modelos baseados em séries históricas estáveis já não oferecem respaldo para a precificação dos contratos. O setor, pressionado a incorporar dados em tempo real, inteligência artificial e ferramentas preditivas, busca adaptar-se a uma nova era de riscos dinâmicos e multifacetados. “A falta de atualização nos critérios de avaliação pode gerar um colapso econômico, não só na indústria de seguros, mas em todo o mercado”, adverte Artaxo. Diante desse quadro, lideranças do setor defendem uma reinvenção profunda. Dyogo Oliveira, presidente da CNseg, propõe a criação de mecanismos inovadores, como o Seguro Social Catástrofe — uma cobertura emergencial, de caráter obrigatório, para vítimas de desastres naturais, financiada por pequenas taxas vinculadas a contas de serviços públicos. “O risco climático está em tudo e não vai parar de crescer até 2050. O setor precisa transformar essa crise em oportunidade, protegendo os mais vulneráveis”, afirma. Para Felipe Faraj, diretor jurídico & ESG da AXA, o setor precisa ir além do simples pagamento de indenizações. “Nosso papel é estar ao lado dos clientes, apoiando sua adaptação à nova realidade climática. Devemos usar nosso conhecimento em gestão de riscos para facilitar essa transição e contribuir de forma ativa, não apenas reagindo aos prejuízos, mas ajudando a construir soluções e promovendo educação”, diz. A resposta do mercado já começa a tomar forma. Seguros paramétricos, que efetuam pagamentos automáticos ao segurado ao atingir determinados índices climáticos, e o uso intensivo de big data, sensoriamento remoto e inteligência artificial para mapear riscos e agilizar atendimentos, são exemplos de inovação que ganham corpo no Brasil. Entretanto, o desafio estrutural permanece: ampliar a cultura do seguro no país. Hoje, a contratação de seguros residenciais é restrita, muitas vezes limitada a imóveis financiados”, acentua Cláudia Prates, diretora de Sustentabilidade da CNseg. “É preciso massificar o acesso de coberturas não só em áreas de alto risco climático, e atuar preventivamente, orientando clientes e projetos sobre adaptações necessárias antes mesmo da concessão de apólices”, complementa Prates. Mesmo os cenários climáticos mais otimistas projetam aumentos de temperatura global entre 2,8°C e 4,3°C nas próximas décadas, com o Brasil podendo experimentar elevações de até 4,5°C. Isso implica não apenas em perdas agrícolas, mas também em impactos severos sobre infraestrutura, saúde pública, abastecimento hídrico e estabilidade social. Para enfrentar esses desafios, Artaxo defende o apoio irrestrito da ciência e da tecnologia ao setor de seguros, que deve se preparar com dados qualificados, visão estratégica e inovação contínua para contribuir decisivamente na construção de uma economia mais resiliente. Do lado das seguradoras, a nova realidade climática exige integração de questões ambientais, sociais e de governança ao modelo de negócio, enfatiza Patrícia Coimbra, diretora de Gente e Cultura da Porto. “Só assim conseguimos identificar tanto como impactamos o mundo quanto como somos impactados por ele, o que nos permite desenvolver soluções mais sustentáveis e inclusivas. Mas esse desafio não é exclusivo do setor privado: precisamos caminhar juntos com o governo.” Como sintetiza Dyogo Oliveira: “Não é que vamos desaparecer diante das mudanças climáticas, mas sim nos adaptar. Todo o setor produtivo passará por transformações, e a questão é: vamos nos adaptar com o apoio do seguro ou sem ele? Para mim, a resposta é clara: com seguro.” Iniciativas sustentáveis A CNseg tem uma série de projetos voltados para a sustentabilidade, transição climática, mitigação e aumento de resiliência das cidades que serão trabalhados ao longo de 2025 em diversas esferas. Como forma de apresentar a extensa pauta de projetos de sustentabilidade do setor segurador para as principais autoridades globais, a CNseg terá uma participação muito importante durante COP30, que será realizada em Belém (PA), em novembro. Para isso, a CNseg lançou um projeto inovador – a “Casa do Seguro” –, um