Esta década vai definir o futuro do clima: veja alertas de Paulo Artaxo

“O risco climático está em tudo e não vai parar de crescer até 2050”, alerta Paulo Artaxo. Um dos maiores especialistas do país em ciências do clima, Artaxo é professor titular do Instituto de Física da USP, coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ele também é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e referência no diálogo entre ciência e políticas públicas no Brasil.

Com papel central na organização da COP30 — onde assessora diretamente as principais instituições científicas e de governo —, Paulo Artaxo tem sido categórico em suas falas públicas sobre como a atividade humana tem gerado impactos no planeta. “Mudamos a composição da atmosfera. Essa é a essência da mudança climática global e os reflexos disso reverberarão em todas as esferas da nossa sociedade”.

Segundo o especialista, o agronegócio, carro-chefe da economia do país, “já sofre os efeitos de secas prolongadas e padrões anômalos de precipitação”, impactando a economia, a segurança alimentar e o próprio setor de seguros.

Artaxo reforça a urgência: “Não há, hoje, qualquer dúvida de que a saúde humana e a saúde dos ecossistemas vão ser fortemente impactadas”. Para o físico, “a emergência climática exige uma mudança urgente no modelo socioeconômico, de forma a garantir uma sociedade verdadeiramente sustentável”.

“Transformar crise em oportunidade será fundamental”, enfatiza, apontando o setor de seguros como protagonista na construção de resiliência e na proteção dos mais vulneráveis. Às vésperas da COP30, o cientista reforça: “A década atual vai definir o século. O futuro do clima, da economia e das populações mais vulneráveis está em jogo agora.”

Veja, a seguir, entrevista completa do especialista para o projeto “Casa do Seguro”, iniciativa da CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras) que busca inserir o setor de seguros nas discussões relacionadas às mudanças climáticas.

O senhor enfatiza que o setor de seguros é um dos mais suscetíveis às mudanças climáticas. Pode explicar por quê?

Paulo Artaxo: O setor de seguros é um dos mais impactados porque eventos climáticos extremos estão cada vez mais frequentes e imprevisíveis, dificultando a previsão de riscos e afetando intensamente áreas como saúde, propriedade e infraestrutura, todas diretamente conectadas aos seguros.

Como sociedade e setor de seguros podem se adaptar a esse novo clima tão incerto?

A adaptação precisa ser local. O Brasil é um país continental com vulnerabilidades distintas em cada município. Ferramentas como a plataforma “Adapta Brasil” — que mapeia riscos como enchentes — ajudam empresas e sociedade a se prepararem melhor para eventos extremos.

Considerando essas transformações e desafios: como se adaptar?

Cada indústria precisa se adaptar de maneira particular. Indústrias como energética, agronegócio e saúde já sofrem mudanças profundas, mais socioeconômicas que apenas climáticas. O modelo de negócios, inclusive dos seguros, terá que se reinventar diante de uma realidade incerta.

E como proceder quando até séries históricas mudaram, dificultando análise de risco e precificação nos seguros?

É um dilema. Tomando os EUA como exemplo: em estados como Califórnia e Flórida, o seguro residencial se tornou inviável devido a furacões e incêndios, colapsando o mercado imobiliário. Se o setor não se adaptar, veremos prejuízos gigantescos. A única saída é a adaptação.

A ciência pode ajudar com soluções mais precisas para o setor de seguros?

Sem dúvida! Hoje, com tecnologia como drones e mapeamento preciso de terrenos, é possível determinar riscos de forma sofisticada. O diálogo ciência-sociedade nunca foi tão próximo quanto atualmente.

E como avançar economicamente nessas adaptações, indo além das grandes iniciativas para ações concretas?

O curto prazismo é um problema. Precisa-se de estratégias de longo prazo — 10, 20 ou 50 anos — e não somente medidas imediatistas. O mercado de carbono, por exemplo, traz desde iniciativas de mitigação até questões complexas como o risco da não permanência do carbono sequestrado.

Soluções como Carbon Capture and Storage (CCS) ou geoengenharia são viáveis atualmente?

CCS e geoengenharia ainda são muito caras e apresentam riscos desconhecidos. A solução mais segura e eficaz é abandonar os combustíveis fósseis, investindo pesado em energia solar e eólica — áreas em que o Brasil tem enorme potencial, mas isso exige ação conjunta de governo e setor privado.

Como vê o papel do Brasil no avanço das soluções climáticas?

Devemos acelerar nossa transição energética e fortalecer o multilateralismo. Com grandes emissores – Índia, China, EUA – ainda expandindo emissões, cabe ao Brasil buscar a estabilização das próprias emissões e construir uma economia mais resiliente.

Como a ciência dialoga hoje com o setor produtivo frente a esses desafios?

Houve uma mudança radical. Ciência e setor produtivo agora precisam andar juntos. Essa colaboração é essencial para que soluções práticas e sustentáveis sejam construídas em parceria, beneficiando toda a sociedade.

Quais as contribuições recentes da inteligência artificial para o enfrentamento das mudanças climáticas?

A IA está revolucionando os modelos climáticos, ampliando a precisão e a resolução das previsões. O próximo passo será incorporar impactos socioeconômicos, criando cenários dinâmicos e ferramentas de análise de risco ainda mais inovadoras.

E considerando a dependência do agronegócio no Brasil, qual o caminho para uma transição sustentável?

Se o modelo atual persistir, o agronegócio não se sustenta por mais 10-20 anos. O desmatamento, legal ou ilegal, precisa cessar. É preciso atualizar as leis e parar de legislar pensando apenas em ciclos curtos de governo. O país precisa de políticas para um futuro sustentável.

O que dizer sobre o papel do reflorestamento e das soluções baseadas na natureza rumo ao net zero?

O compromisso brasileiro de recuperar 12 milhões de hectares deve acontecer, sobretudo para manutenção dos serviços ecossistêmicos. O reflorestamento só sequestra carbono de modo relevante nos 20-30 primeiros anos de crescimento. Estratégias permanentes, múltiplas espécies e incentivo à biodiversidade são essenciais.

Como a ciência pode, de fato, auxiliar o setor de seguros e populações vulneráveis frente à desinformação e aumento de riscos?

O caminho é a educação. A indústria pode — e deve — liderar campanhas sobre a importância do seguro. O nível de consciência nas novas gerações, inclusive nas camadas mais pobres, está evoluindo. Isso abre espaço para ampliar o acesso ao seguro e torná-lo relevante para todos.

Para encerrar, professor, existe razão para otimismo em meio a tantos desafios?

Sim! A juventude de hoje já tem uma postura muito mais sustentável. Se apoiarmos essa nova geração, veremos um novo modelo econômico, mais resiliente e adaptado ao clima se tornar realidade. Esse processo já está em curso — e deve ser fortalecido em todos os setores.

Sobre a Casa do Seguro

Casa do Seguro estará situada em local muito próximo ao espaço oficial da COP30. Além da programação de conteúdo, promoverá iniciativas de responsabilidade social, prestigiando a economia e a mão de obra locais. O projeto é ambientalmente responsável e foi desenvolvido dentro dos conceitos de evento neutro e resíduo zero, prevendo ainda uso eficiente de água e energia.

Com o apoio de seus empoderadores – AllianzAXAMAPFREMarshPortoPrudentialTokio Marine and Marsh McLennann –  a Casa funcionará em 1,6 mil m² de área útil, acomodando plenária com 100 lugares, seis salas de reunião, business lounges, estúdio para gravação de podcasts, sala de imprensa, espaço de convivência e área para exposições artísticas e apresentações culturais. 

Na programação, destacam-se:

  • debates e painéis temáticos;
  • fóruns em parceria com entidades setoriais, organizações internacionais e contrapartes estrangeiras da CNseg;
  • reuniões bilaterais;
  • apresentação de produtos e serviços; e
  • atividades culturais. 

 

Alguns eixos vão pautar a agenda da Casa do Seguro, como a proteção social e dos investimentos, as finanças sustentáveis, a infraestrutura resiliente, a inteligência climática, seguros & agronegócio, a descarbonização da frota brasileira e como os seguros podem auxiliar no desenvolvimento industrial mais sustentável.

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