Esta década vai definir o futuro do clima: veja alertas de Paulo Artaxo

23/07/2025 “O risco climático está em tudo e não vai parar de crescer até 2050”, alerta Paulo Artaxo. Um dos maiores especialistas do país em ciências do clima, Artaxo é professor titular do Instituto de Física da USP, coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ele também é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e referência no diálogo entre ciência e políticas públicas no Brasil. Com papel central na organização da COP30 — onde assessora diretamente as principais instituições científicas e de governo —, Paulo Artaxo tem sido categórico em suas falas públicas sobre como a atividade humana tem gerado impactos no planeta. “Mudamos a composição da atmosfera. Essa é a essência da mudança climática global e os reflexos disso reverberarão em todas as esferas da nossa sociedade”. Segundo o especialista, o agronegócio, carro-chefe da economia do país, “já sofre os efeitos de secas prolongadas e padrões anômalos de precipitação”, impactando a economia, a segurança alimentar e o próprio setor de seguros. Artaxo reforça a urgência: “Não há, hoje, qualquer dúvida de que a saúde humana e a saúde dos ecossistemas vão ser fortemente impactadas”. Para o físico, “a emergência climática exige uma mudança urgente no modelo socioeconômico, de forma a garantir uma sociedade verdadeiramente sustentável”. “Transformar crise em oportunidade será fundamental”, enfatiza, apontando o setor de seguros como protagonista na construção de resiliência e na proteção dos mais vulneráveis. Às vésperas da COP30, o cientista reforça: “A década atual vai definir o século. O futuro do clima, da economia e das populações mais vulneráveis está em jogo agora.” Veja, a seguir, entrevista completa do especialista para o projeto “Casa do Seguro”, iniciativa da CNseg (Confederação Nacional das Seguradoras) que busca inserir o setor de seguros nas discussões relacionadas às mudanças climáticas. O senhor enfatiza que o setor de seguros é um dos mais suscetíveis às mudanças climáticas. Pode explicar por quê? Paulo Artaxo: O setor de seguros é um dos mais impactados porque eventos climáticos extremos estão cada vez mais frequentes e imprevisíveis, dificultando a previsão de riscos e afetando intensamente áreas como saúde, propriedade e infraestrutura, todas diretamente conectadas aos seguros. Como sociedade e setor de seguros podem se adaptar a esse novo clima tão incerto? A adaptação precisa ser local. O Brasil é um país continental com vulnerabilidades distintas em cada município. Ferramentas como a plataforma “Adapta Brasil” — que mapeia riscos como enchentes — ajudam empresas e sociedade a se prepararem melhor para eventos extremos. Considerando essas transformações e desafios: como se adaptar? Cada indústria precisa se adaptar de maneira particular. Indústrias como energética, agronegócio e saúde já sofrem mudanças profundas, mais socioeconômicas que apenas climáticas. O modelo de negócios, inclusive dos seguros, terá que se reinventar diante de uma realidade incerta. E como proceder quando até séries históricas mudaram, dificultando análise de risco e precificação nos seguros? É um dilema. Tomando os EUA como exemplo: em estados como Califórnia e Flórida, o seguro residencial se tornou inviável devido a furacões e incêndios, colapsando o mercado imobiliário. Se o setor não se adaptar, veremos prejuízos gigantescos. A única saída é a adaptação. A ciência pode ajudar com soluções mais precisas para o setor de seguros? Sem dúvida! Hoje, com tecnologia como drones e mapeamento preciso de terrenos, é possível determinar riscos de forma sofisticada. O diálogo ciência-sociedade nunca foi tão próximo quanto atualmente. E como avançar economicamente nessas adaptações, indo além das grandes iniciativas para ações concretas? O curto prazismo é um problema. Precisa-se de estratégias de longo prazo — 10, 20 ou 50 anos — e não somente medidas imediatistas. O mercado de carbono, por exemplo, traz desde iniciativas de mitigação até questões complexas como o risco da não permanência do carbono sequestrado. Soluções como Carbon Capture and Storage (CCS) ou geoengenharia são viáveis atualmente? CCS e geoengenharia ainda são muito caras e apresentam riscos desconhecidos. A solução mais segura e eficaz é abandonar os combustíveis fósseis, investindo pesado em energia solar e eólica — áreas em que o Brasil tem enorme potencial, mas isso exige ação conjunta de governo e setor privado. Como vê o papel do Brasil no avanço das soluções climáticas? Devemos acelerar nossa transição energética e fortalecer o multilateralismo. Com grandes emissores – Índia, China, EUA – ainda expandindo emissões, cabe ao Brasil buscar a estabilização das próprias emissões e construir uma economia mais resiliente. Como a ciência dialoga hoje com o setor produtivo frente a esses desafios? Houve uma mudança radical. Ciência e setor produtivo agora precisam andar juntos. Essa colaboração é essencial para que soluções práticas e sustentáveis sejam construídas em parceria, beneficiando toda a sociedade. Quais as contribuições recentes da inteligência artificial para o enfrentamento das mudanças climáticas? A IA está revolucionando os modelos climáticos, ampliando a precisão e a resolução das previsões. O próximo passo será incorporar impactos socioeconômicos, criando cenários dinâmicos e ferramentas de análise de risco ainda mais inovadoras. E considerando a dependência do agronegócio no Brasil, qual o caminho para uma transição sustentável? Se o modelo atual persistir, o agronegócio não se sustenta por mais 10-20 anos. O desmatamento, legal ou ilegal, precisa cessar. É preciso atualizar as leis e parar de legislar pensando apenas em ciclos curtos de governo. O país precisa de políticas para um futuro sustentável. O que dizer sobre o papel do reflorestamento e das soluções baseadas na natureza rumo ao net zero? O compromisso brasileiro de recuperar 12 milhões de hectares deve acontecer, sobretudo para manutenção dos serviços ecossistêmicos. O reflorestamento só sequestra carbono de modo relevante nos 20-30 primeiros anos de crescimento. Estratégias permanentes, múltiplas espécies e incentivo à biodiversidade são essenciais. Como a ciência pode, de fato, auxiliar o setor de seguros e populações vulneráveis frente à desinformação e aumento de riscos? O caminho é a educação. A indústria pode — e deve — liderar campanhas sobre a importância do seguro. O nível de consciência nas novas gerações, inclusive nas camadas mais pobres,